domingo, 29 de março de 2009

Dissertações de um bêbado

Hoje entrei sozinho pelo meu pé, na tasca do António, pelas nove e meia da noite. Resolvi que hoje ou me embebedava ou então corria nu pela estrada. Julgo que fiz a escolha mais sensata. É que hoje eu precisava de sentir uma merda qualquer. Nem que fosse vergonha por estar nu e a correr, ou o entorpecimento geral que agora estou a sentir.
Podem vocês perguntar e bem, como é que um bêbado consegue articular ideias. Pois bem, estou a pensar, não estou a falar. É mais fácil assim. Os músculos da língua, estão encharcados em cerveja, já tentei há coisa de um minuto e meio falar, e é melhor não. Sinto-me deprimente.
Às nove e meia da noite entrei e sentei-me sozinho numa mesa e pedi uma cerveja sozinha. Não acham estranho, quando nos sentamos sozinhos e pedimos coisas sozinhos? Eu costumava achar muito estranho quando era novo, mas agora é a força do hábito. A verdade é que há coisas que um homem tem de saber fazer sozinho. Isto é uma delas, embebedar-se sozinho, viver sozinho…as outras coisas, as outras…vocês sabem, claro que dá jeito. Adiante. Depois dessa pedi outra, e depois outra. Depois da terceira, sentei-me ao balcão e perdi a compostura que as pessoas quando estão sós têm a mania de ter, para se sentirem seguras. Aquele ar interessado no espaço envolvente, a postura muito direita e confiante de quem não está a pensar que gostaria de estar acompanhado. No fim da terceira, já tinha desapertado a camisa até a meio, o casaco andava perdido na minha mesa a tentar agarrar-se às costas da cadeira, o cabelo já estava desgrenhado e já começava a coçar as costas e a esgravatar as orelhas.
Digo-vos, eu nunca fui de beber muito, é por isso que três cervejas chegaram. Mas eu continuei. Tinha decidido que hoje era o dia. Pedi uma vodka com limão e no fim outra cerveja. E o álcool já me escorregava tão bem que me parecia água. E ao fim de mais dois martinis, estou aqui. Tenho a cabeça colada ao tampo do balcão e sei que as pessoas estão a olhar para mim com aquele misto de pena e nojo. Só queria poder dizer que não entrei aqui às nove e meia para me embebedar. Só queria sentir qualquer merda.
E enquanto não sou daqueles bêbados que falam muito alto e gritam ao mundo que a mulher os deixou, já estão com muita sorte. Por falar em mulheres, o amor é um gajo fodido. Acaba sempre em merda. Pelo menos, aqui estou sem uma mulher há doze meses, talvez mais. Digo doze meses para não parecer um ano. Discrepâncias disse-me ela. Outro gajo disse-lhe eu. Ela virou-se e deu-me um estalo como eu já não me lembrava de apanhar, e eu mandei-a foder. Se fosse eu a dizer as tretas das discrepâncias, ela dava-me um estalo e ia perguntar-me aos gritos quem era a galinácea. Eu disse outro gajo, num tom calmo e assertivo. É assim. Porque se um gajo quer brincar, não é nestas coisas. No filho da puta do amor não se brinca. Isso é para meninos que não sabem o que querem. E ela mandou-me areia para os olhos, e por isso mandei-a tratar das discrepâncias dela nos quintos dos caralhos nos píncaros.
No outro dia é que pensei bem nesta coisa toda do amor. Se eu amo alguém e lhe bato, eu amo-a na mesma, tenho é uma forma peculiar de a amar. Claro que é uma visão hiperbolizada do assunto, eu nunca bati em ninguém que gostasse nem pretendo fazer. Acho esses gajos uns sacanas.
Antó...nio…cer…ve…jaaa…
Ele ficou a olhar para mim com um ar de quem não me vai dar cerveja.
Mas vamos reparar nesta linha de pensamento. Se eu bater na mulher e amá-la até ao puto do infinito e ela gostar, não há discrepâncias. Se eu não bater e não gostar, nem sequer há tempo para discrepâncias. Se eu bater e amá-la até ao puto do infinito e ela não gostar, então há discrepâncias. E então voilá, é tudo uma questão de gostos. Ou então é tudo só uma competição para ver quem é que arranja a gaja ou o gajo perfeito. Essa merda não existe. Somos todos uns merdas que fodemos os outros ou nos fodemos. Essa merda das pessoas perfeitas é uma estratégia de marketing daquelas coisas dos telemóveis, “o termómetro do amor” venderem. A puta que os pariu a todos.
A cerveja chegou. Olho para o António com um ar de quem não o está a ver, porque não estou. Parece uma coisa de luz a mover-se de um lado para o outro. Raio do António, parece que dança o samba.

3 comentários:

Sara Morgado disse...

Oh meu deus. Xelma, este texto está realmente brilhante. Grandes expressões. Só me consegui rir, muito bom :D

P.S. - Homem que é homem embebeda-se com bagaço, rum, ou wishkey se já for finório. Isso dos vodkas e martinis é de garota na noite com as amigas :P

Sofia disse...

Obrigada :) ehehe
Eh pa, este homem não está habituado a bebedeiras. Tem classe.xD

Tigremia disse...

Olha... gostei! Embora... tu sabes. Foi diferente. Continua.