Discurso directo

Vivemos num constante tiroteio de pensamentos. Não quero pensar, porque me faz mal. E a verdade é que faz. Vejo os outros. Viajo-lhes no pensamento, no que sentem. Tento adivinhar-lhes os passos, ser maior. Mas não sou. Não sou pouco nem mais ou menos. Fico a tirar medidas aos meus passos. Fico a tirar medidas às minhas acções, às dos outros. A vida não é para os que a querem fácil, é para aqueles que tiram medidas. E eu sei que não há nada mais para mim. Há para os outros, as outras. Os que se conhecem pela primeira vez e partilham a intensidade de olhares. E aí não é preciso medir nada. Não é preciso. Mas eu tiro, eu quero tirar, eu preciso. Não quero ficar enrolada na fita métrica como um insecto na teia, e por isso estico-a ao extremo das minhas forças.

Sinto-me tão perto de mim que anseio o dia em que me sentirei longe. O dia em que não me vou sentir a mim, mas a outra pessoa. Aí saberei que não estou só eu. Mãe, abraça-me que os dias não passam…parece que nunca vão passar até eu saber que passaram. Parece que o sol me come os pensamentos, com dentes de luz de sol. Abre-me a cabeça, parte-me em dois. E o que é que queres de mim afinal...Olhas-me com olhos de pessoa que não sabe quem vê. Não me reconheces mais. Olhas-me com olhos de pessoa estranha. Olhas-me com olhos de pessoa que cegou. Olha-me com olhos de gente e diz-me o que vês. Vê-me os pensamentos e as vontades, vê-me as entranhas a pulsar sangue e diz-me se ainda vais estar cá quando acordar.