sábado, 13 de junho de 2009

Não sei como é que todos os pedaços se podem unir. Não sei se os deixo estar assim ou se espero que a mãe chegue. Vou colá-la. E eu bem tento colar as peças de louça, sem contudo achar que estou a fazer realmente bem. A mãe chega das compras de domingo. O dia está quente e a mãe tira o calçado afogueado pelas horas. Eu fico a assistir ao ritual. O calçado junto à porta, alinhado com as tiras de madeira que se estendem até mim, as compras ao lado do gato preto, que mia sem saber miar. A mãe pega no avental de pano a cheirar a lavado e fica a olhar para mim. Fizeste das tuas que eu sei, diz ela com um sorriso breve. Oh mãe, a jarrinha das flores partiu-se. Não sei como aconteceu, mas não fui eu mãe, eu juro, eu juro. A mãe não acredita em mim. Dobra a sua altura pelos joelhos, até chegar à minha. Os olhos dela ficam colados nos meus, mas não me dizem o que eu procurava saber. Ela acha que fui eu que parti a jarrinha das flores, a mãe acha isso. Pego-lhe na mão e sem pensar muito, levo-a aos pedacinhos partidos com a decisão no passo. Vês? A jarrinha partiu e não fui eu. Os soluços ficam presos na garganta, eu não queria que se tivesse partido. Eu não queria. Desculpas-me mãe? A mãe olha a jarrinha partida que antes era tão bonita. Era uma jarrinha pequena que a avó lhe tinha dado e tinha flores perfeitinhas pintadas. A mãe chorou muito. E eu chorei também. Mãe, desculpas-me? Desculpa. Não precisas de pedir desculpa, eu sei que não foste tu. Lembro-me que ficamos todo o dia à procura das peças de louça que encaixavam umas nas outras, num puzzle silencioso e feito com calma. Foram horas que pareceram anos e minutos que pareceram meses. E depois o pai chegou, e o tio Abel, e a tia Teresa e o primo Carlos. E eles olharam a jarrinha das flores como se fosse nova. E eu ri-me muito, ri-me muito muito como criança que era. E abracei a mãe, e abracei o pai e brinquei muito com o primo Carlos nesse dia. Jogamos à bola e ele mostrou-me os cromos que tinha coleccionado. Lembro-me que a mãe fez bolo de iogurte de morango, mas soube-me a bolo de chocolate, porque a tia Teresa quis-lhe pôr chocolate aos bocadinhos. Lembro-me que o pai e o tio Abel beberam vinho na mesa de jantar, e salpicaram a toalha de mesa branca com vinho que parecia sangue. A mãe não gostou e ralhou com o pai e com o tio Abel. Mas depois ficou tudo bem. Eu sei que ficou.