domingo, 24 de janeiro de 2010

Houve um dia em que decidi morrer. Só para ver como é que era. Às vezes quando andava pelas ruas, tinha a estranha sensação de estar fora do corpo. E ficava a pensar como é que tinha saído daquele corpo compacto. Como é que eu continuava a andar e a olhar as pessoas normalmente, estando eu, eu próprio fora do corpo. Que estranheza que era…que estranheza. Mas houve um dia em que decidi morrer. Sentir-me fora do corpo sem pensar como é que ainda continuava a andar e a olhar as pessoas. Porque quando se morre, o corpo pára como se fosse um carro sem gasolina, a soluçar. E quando isso acontece, o corpo não anda nem olha. Anda a alma, e o corpo olha sem olhar…temos a alma fora do corpo cega.No dia em que decidi morrer, levantei-me cedo. Transpirei algumas lágrimas dos olhos, por saber que ia morrer e fiz um café. Eu não gosto de café. Mas bebi-o para acordar. Acordar não sei para quê, porque umas horas depois estaria de olhos fechados. Mas bebi-o para acordar. Acordar para alguma coisa. Decidi morrer cedo. Escrevi num papel velho os convenientes de morrer cedo: O ar da manhã dá uma certa leveza ao acto. O cheiro a morte será menos intenso. O sol aquece o corpo frio. Sim, quero morrer de manhã. E assinei por baixo. Bebi o café até à última gota, sem açúcar. Subi para a varanda. Respirei. Voltei a encher os pulmões. O ar da manhã dava mesmo uma certa leveza ao acto. Respirei. E parei de respirar por uns segundos. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, catorze, quinze, dezasseis, dezassete, dezoito, dezanove, vinte, vinte e um, vinte e dois, vinte e três, vinte, vinte…Respirei. No dia em que decidi morrer, não morri.

Um comentário:

Tigremia disse...

Ainda bem! Deve ter sido do café.