quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Desde pequeno que tinha a mania de observar as coisas de longe. Não gostava de colar o meu nariz à janela como os outros...os outros que deixavam o ranho preso às janelas e o bafo acriançado no vidro. As pessoas podiam ver. E se me vissem sabiam que existia. Passava da minha não existência para uma existência denunciada, pelos meus dois olhos espiões. Nos meus olhos estavam escritas as palavras que queria dizer. Nos meus olhos estava desenhado o que queria saber dos outros. Com o tempo apaguei isso, não tenho nada que dizer com os olhos. Os meus olhos eram espiões, mas diziam coisas que eu não queria. Diziam sim. Como daquela vez que a senhora Gabriela me perguntou quem tinha partido o vidro da cozinha. E eu dizia-lhe que não, que não. E os meus olhos acenavam para cima e para baixo, muito rápido, a dizer que sim, que sim. A partir daí apaguei-lhes as palavras e os desenhos, e deixei-os em branco. Agora não têm o que falar os caraças...
Observo as coisas de longe longe longe, sempre. Como os raios da tempestade lá fora. Parece uma tempestade sem sentido vista daqui. A casa está arrumada aqui dentro. Tudo está calmo. Ninguém está, ninguém vem lá, ninguém vem cá... Tento ver mais de perto...não vou. A tempestade fica bem ao longe. Nunca se sabe quando os raios me podem bater à porta.

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